terça-feira, 17 de março de 2009

Trainspotting, Sem Limites (Trainspotting, 1996)

Ao som de "Lust fot Life", de Iggy Pop, o filme já começa alucinante e acelerado, com o personagem Mark Renton (Ewan McGregor) anunciando o seu ideal de vida enquanto foge de dois detetives de loja: "Pense num emprego. Visualize uma família. Pense na porra de uma televisão grande, em carros e aparelhos de CD. Opte por uma boa saúde, colesterol baixo e seguro dentário. Escolha seus amigos."
Essa concepção burguesa de vida é uma introdução irônica para um filme calcado em personagens que encaram o vício das drogas de forma casual. Estruturado na forma de vinhetas, o roteiro almagama os monólogos interiores de Renton. Dessa forma o filme pretende retratar a juventude anos 1990 sem julgá-la.
A principal linha de ação é a tentativa de Renton de largar o vício da heroína (e outras drogas coadjuvantes). Para tanto, o diretor Danny Boyle (do atual e oscarizado "Quem Quer Ser um Milionário") abandona o estilo fatalista da fonte literária (baseado no livro homônimo de Irvine Welsh) e opta por um exibicionismo estético até então raro no cinema inglês. Ao falar do torpor das drogas, Boyle cria imagens oníricas e as insere em uma narrativa movimentada. Com isso, o espectador, sem tempo para curtir um segundo sequer de calmaria sente-se em plena viagem alucinógena.

Muito acima do bem e do mal, Trainspotting se coloca como uma espécie em extinção na moral cinematográfica de hoje: os personagens assumem que vivem em função da próxima picada nas veias. Não há qualquer exame de consciência capaz de tirá-los da inércia em que se encontram. Moralismos, no contexto, são hipócritas. O comportamento Kamikaze doas amigos de Renton, por sua vez, coloca-os numa situação cômoda: o microcosmo dos junkies é um paraíso fechado em si. Um paraíso em que não há cobrança, apenas a busca do prazer imediato. O próprio Irvine Welsh afirma que seus anti-heróis nada têm de vítimas: eles demonstram coragem e determinação ao tentarem combinar a loucura diária com a sobrevivência. Em contrapartida, essa opção de vida pode ser vista como uma covarde fuga do compromisso cotidiano.

Passando ao largo do realismo social e optanto pelo humor negro, o filme se apóia nos carismáticos personagens, para quem não há futuro, já que não há um emprego, já que não há um seguro dentário. Trainspotting é uma diversão agressiva embalada em sons da cena clubber e rock de primeira linha (Lou Reed, David Bowie, Iggy Pop, New Order, etc). É essa embalagem pop que faz com que o filme se comunique com um número maior de espectadores. Fato importante em se tratando de uma obra sem "moral da história". Afinal de contas, todos têm a liberdade de escolher a vida (e o filme) que melhor lhes convier.

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domingo, 15 de março de 2009

Vestida Para Matar (Dressed to Kill, 1980)

Bons tempos aqueles onde existia um bom diretor que imitava e copiava descaradamente a obra de Hitchcock e que nos presenteava com grandes obras, as vezes primas. Com o remake de Janela Indiscreta engatilhado me dá até calafrios quando lembro das outras refilmagens que fizeram de Hitch (vide Psicose, de 1998 assinada por Gus Van Sant). Resolvi então rever uma obra do melhor e mais qualificado discípulo do mestre inglês, Brian de Palma, que em 1973 revelou sua admiração em Irmãs Diabólicas, e continuou, em seus filmes posteriores a lançar mão do estilo Hitchcockiano, as vezes implicitamente e outras descaradas. Vestida Para Matar se enquadra no segundo estilo. Apesar de alguns excessos, é uma festa para os olhos e uma ameaça para o cardíacos.

A história narrada em Vestida para Matar é toda inspirada em Psicose (1960), o mais famoso e imitado Hitchcock. Logo de cara, De Palma refaz a famosa cena do chuveiro, com Angie Dickinson, devidamente assessorada por uma dublê (um expediente que o inspirou a fazer, quatro anos depois Dublê de Corpo), sendo atacada por uma estranho. É o primeiro de muitos truques e sustos que virão pela frente. Em um terço de filme, Dickinson terá seu fim trágico e sanguinolento, assim como Janet Leigh em Psicose. Seu assassinato, certamente a sequência mais marcante e assustadora do filme, acontece dentro de um elevador, onde uma mulher loira, usando óculos escuros e uma afiada navalha, corta-a em tiras, sem fazer cerimonia. O crime é testemunhado pela prostituta interpretada por Nancy Allen, que foi casada com De Palma, que toma o lugar de Angie Dickinson como protagonista.

Começa, então a segunda parte da trama. Assustada e pressionada pela polícia, Allen empenha-se em descobrir a identidade do psicopata, contando com a ajuda do filho da vítima (Keith Gordon), uma mistura de nerd e gênio em eletrônica. Todas as pistas levam a crer que o criminoso é um dos pacientes do psiquiatra interpretado por Michael Caine, que também prestava serviços à falecida Dickinson. Assim como o padre Montgomery Clift do clássico A Tortura do Silêncio, Caine, por causa da ética profissional, não pode revelar a identidade do principal suspeito, um desequilibrado que adora se vestir de mulher.

Vestida Para Matar tem inegáveis falhas estruturais e de roteiro, mas é impossível resistir a quatro sequências isoladas: o show de câmera subjetiva e travellings dentro do Metropolitan Museum, que começa com o assédio de um admirador de Dickinson e termina em sacanagem num táxi; o já citado massacre do elevador; a delirante perseguição no metrô de Nova York e a visita noturna que Allen e Gordon fazem ao consultório do psiquiatra, quando o mistério é finalmente esclarecido. Em todas essas cenas, De Palma, ajudado pela música grandiloquente de Pino Donaggio (clone menos talentoso de Bernard Herrmann e habitual colaborador do diretor), parece querer explicitar seu inegável domínio com a câmara. Hitchcock, onde quer que esteja, aplaude de pé.

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sexta-feira, 13 de março de 2009

Feios, Sujos e Malvados (Brutti, Sporchi e Cattivi, 1975)


O único objetivo da família de Giacinto Mazzatella - trinta e tantas pessoas amontoadas num imundo barraco, numa favela romana- é roubar-lhe o milhão de liras que ele recebeu do seguro ao perder o olho num acidente de trabalho; dinheiro que esse patriarca dessa tribo de Feios, Sujos e Malvados recusa-se a dividir com eles. Para conseguir a grana, mulher e filhos chegam a servir-lhe macarrão com veneno de rato, para defendê-lo da sanha dos parentes, Giacinto não recua diante de qualquer expediente. Nada, nem mesmo a aparição em sua vida de um amor desinteressado, rompe o sórdido círculo em que vivem na favela à qual, lá embaixo, a Roma civilizada e de Primeiro Mundo vira as costas, indiferente. A linguagem que o diretor Ettore Scola utiliza é a do neo-realismo; atores desconhecidos, muita filmagem ao ar livre, com luza natural, produção barata. E seu humor negro traz latente, sem ser necessário torná-la explícita e panfletário, a indignação com a injustiça que condena essa gente a repetir, em sua vida, um ciclo sempre igual.

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sábado, 7 de março de 2009

Morangos Silvestres (Smultronstället , 1957)


Ingmar Bergman consagrou-se como um dos maiores nomes do cinema por ter criado uma obra de reflexão sobre as dúvidas existenciais. Mas nunca o diretor obteve resultado tão comunicativo e poético quanto em Morangos Silvestres, o ponto máximo de sua brilhante carreira. Apesar da presença iminente da morte (tema frequente em sua filmografia), é também uma das realizações menos sufocante do cineasta. A busca de um sentido preciso para a existência é aqui exposta através das dúvidas e preocupações que perturbam o velho professor Isaac Borg (Victor Sjostron, que na vida real foi um diretor fundamental para o cinema sueco) a partir do momento que este decide ir a Lund, onde vai receber importante título. Na viagem, a companhia da nora (Ingrid Thulin), a passagem pela antiga casa de verão, o encontro com três estudantes, com um casal em crise e com a velha mãe (Naima Wifstrand), também suscitam questionamentos. Bergman alterna com invejável segurança o onírico e a realidade, o passado e o presente. Raramente a dor da recordação e o pesar da oportunidade perdida adquiriram no cinema força tão incomum e ao mesmo tempo serenidade tão lírica.

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quarta-feira, 4 de março de 2009

A Noite do Mortos Vivos (Night of the Living Dead, 1968)


Único gênero que é capaz de consagrar filmes e diretores medíocres, o horror devido a isso arregimento inúmeros detratores da sua arte. Muitos desses detratores esquecem-se de filme fundamentais do cinema que se apoiaram no gênero (como o O Gabinete do Dr. Caligari e Nosferatu). Acredito ser muito limitador restringir o terror como um gênero para as massas. Existe sim filmes realizados com o único objetivo de faturar. Isso existe em qualquer gênero. Outros filmes, entretanto, escondem muito mais do que aparentemente querem dizer. Basta apenas ler nas entrelinhas...
Dentro do gênero e o meu preferido são os filmes de zumbi. E dentro dele não existe obra melhor e mais definitiva do que A Noite dos Mortos Vivos de 1968.
Este é um dos filmes mais influentes da história do cinema de terror. Seguindo os ensinamentos de Roger Corman, George Romero tirou o vampirismo (expresso na figura do morto-vivo) de sua moldura romântica e reestilizou como metáfora dos medos da sociedade americana de sua época. A lição aprendida com Corman foi usar a criatividade para aproveitar o orçamento (de US$ 125 mil): fotografia em preto-e-branco, recrutamento de atores no local das filmagens. A história é crua e simples. Atacados subitamente por cadáveres, algumas pessoas se refugiam numa fazenda. Sitiadas pelos zumbis canibais, vêem pela TV que a ameaça se espalha pelo país. Romero toma emprestado muito do clima claustrofóbico de Os Pássaros, de Hitchcock, e adiciona sangue e vísceras, que mais tarde iam se tornar atração principal dos filmes de seus seguidores, como Tobe Hooper, Wes Craven e John Carpenter. Os efeitos "nojentos" podem ser ridículos hoje, mas a naturalidade das interpretações surpreende (com boa parte do elenco composto por amadores). O filme mistura crítica social (os cadáveres são reanimados por contaminação radioativa), terror psicológico e violência explícita. É o primeiro de uma quadrilogia sobre zumbis copiado à exaustão (o que tirou muito do impacto que o filme um dia teve).

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segunda-feira, 2 de março de 2009

Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, 1959)


Se cada grande filme tem uma imagem que o resume, a de Rio Bravo é a de um homem armado de rifle caminhando tenso por uma rua deserta, espreitado por olhos ocultos na sombra e assediado pelos ruídos da noite. Este homem pode ser o xerife Chance (John Wayne, claro!) ou seu auxiliar, o alcoólatra Dude (Dean Martin), ambos empenhados em impedir que um bando de criminosos venha resgatar seu amigo assassino trancafiado na prisão local. Só não atinge a claustrofobia graças a habilidade do diretor em costurar pequenas tramas paralelas que inundam de humor e humanidade seus personagens. O resultado é um dos melhores westerns já realizados e um dos melhores filmes de Haword Hawks (e isso não é pouco). O filme é a resposta do diretor a outra obra-prima realizada em 1952, Matar ou Morrer. Hawks interpretava a covardia e o medo do xerife interpretado por Gary Cooper como algo anti-americano. Se no filme de Fred Zinnemann o xerife luta contra o tempo para a arregimentar parceiros para ajudá-lo no confronto com um bandido, aqui Wayne recusa-se a aceitar ajuda. Apesar do estilo quase patriótico furado o filme possui um apelo tão forte e envelheceu tão bem, que continua sendo uma fonte de inspiração eterna para todos os cineastas que um dia ou outro já pensaram em fazer um westerm. Tão bom que o próprio Hawks, não resistiu e refilmou-o em 1967, como El Dorado.

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domingo, 1 de março de 2009

O Homem Elefante (The Elephant Man, 1980)


Pensei que nunca mais voltaria a escrever no blog. De fato a vida me maltratou ....hehe. Um corre-corre que não me deixava com a menor vontade e inspiração para escrever. Mas pude entretanto assistir uma boa quantidade de filmes. Mas realmente o que me fez voltar a postar aqui tem nome. Chama-se "O Homem Elefante"(1980), obra-prima de David Lynch.
Quando eu imaginava que nada do outro lado da tela pudesse me afetar (e olha que sou bastante afetável) eis que encontro esse filme perdido na minha bagunça e resolva assistir. Nossa que momento! Foram pouco mais de 2 horas de catarse.
A história passa-se em Londres em 1884, onde John Merrick (John Hurt), um sujeito deformado por uma rara doença, é "adotado" por um Doutor (Anthony Hopkins) e tirado de um circo de aberrações, contudo no Hospital também torna-se uma atração onde ricos o admiram e pobres o repudiam. A luta de Merrick para manter a dignidade e conviver socialmente, apesar de sua figura bizarra, é dirigida de modo sentimental por Lynch. O filme possui uma elaboração visual impressionante e impecável.
É a primeira obra-prima de um diretor que seguiria sua trajetória enveredando por outros caminhos (vide Veludo Azul, Twin Peaks) , mas as bases de seu cinema estão todas aqui.

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