Quando comecei a apreciar seriamente assistir filmes, estar em cinemas, ler e escrever sobre filmes, nutria grande preconceito sobre westerns. Pesava o fato de ter visto apenas algumas películas totalmente descartáveis. Com o passar do tempo e tendo estabelecido contato com a filmografia de diretores como John Ford, Haword Hawks, Sergio Leone, etc acabei me convencendo que este é um dos gêneros mais ricos, que embora invariavelmente trate de temas específicos e regionais da história americana, é de apelo universal (caso contrário não existiriam os famigerados westerns spaguetti). Começo a falar de dois grandes clássicos, filmados por diretores sem intimidade no western.
Matar ou Morrer (High Noon, 1952)
Os fãs de bangue-bangue não colocam este filme entre seus filmes preferidos. Muito pelo contrário. Fazem sérias ressalvas ao faroeste de Fred Zinnemann. Por sua vez, os críticos (principalmente aqueles que não gostam de westerns) adoram o filme. O longa-metragem é quase sempre citado como um dos marcos do gênero, ao lado de Os Brutos Também Amam (1953). Falso western? Obra-prima? Só assistindo para definir.
O enredo é bastante simples. Numa cidadezinha do Velho Oeste, durante uma manhã tórrida de domingo, o xerife Will Kane (gary Cooper) se casa com Amy (Grace Kelly), uma jovenzinha um tanto carola. Pendura a estrela e o coldre. Vai começar uma nova vida bem longe dali. Um telegrama muda tudo. Traz a notícia que Frank Miller(Ian McDonald), o criminoso que Kane mandou para a cadeia há alguns anos (e jurou matá-lo) obteve liberdade condicional e pegou o trem que chega ao meio-dia. É aconselhado a ir embora, conforme o planejado. Mas volta atrás e resolve ficar para o acerto de contas. Narrado em tempo real (a duração corresponde ao tempo em que a trama se desenrola), o filme está repleto de imagens de relógios, aumentando a atmosfera de suspense à medida que os ponteiros se aproximan do meio-dia. Neste período o xerife tenta a todo o custo arregimentar parceiros para ajudá-lo a enfrentar o fora-da-lei. Aqui e ali as dissidências vão aumentando, até que culminam num incontornável isolamento de Kane. A covardia dos moradores foi interpretada como uma crítica ao macarthismo.
Há muitos outros elementos em Matar ou Morrer que diferenciam da maioria dos faroestes. Um deles sem dúvida é o perfil psicológicodos personagens. Mocinho e bandido são bons e maus por motivos bem definidos. O protagonista, principalmente, tem um passado a esconder. O duelo com o vilão é a chance de se confrontar com esse passado para aí pensar no futuro. Nesse sentido a cena em que passado o embate e ele joga a estrela no chão é emblemática. Consciência, bravura, solidão e medo reverberam com força em Matar ou Morrer, que na realidade é um antiwestern que se transformou, com o passar dos anos, numa obra-prima do gênero.
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Johnny Guitar (Idem, 1954)
A genialidade de Nicholas Ray, ao lado do roterista Philip Yordan, fez do perturbador Johnny Guitar algo que já foi apelidado de western dialético-edipiano. O guitarman Johnny (Sterling Hayden) e a enérgica Vienna (só poderia ter sido Joan Crawford), dona do saloon, representam a abertura para o novo e são favoráveis à construção de uma via férrea. Entram em confronto com a frustrada Emma (Mercedes McCambridge), líder dos homens do lugarejo, todos vestidos de negro, que defendem a imutabilidade do modo de vida local contra os forasteiros.
A marcação teatral explora tensões sexuais, tratando-as por formas simbólicas (o revólver como potência sexual, o silêncio como repressão etc.). O ápice é o encontro final entre Vienna e Emma. Ambíguas, masculinas e carentes ao mesmo tempo, elas não disputam velocidade como os homens, mas parecem medir-se na estética que se revela na maneira como seguram pistolas. Um duelo de armas e tensão psicológica.
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