
Essa odisséia pela obra de Hitchcock é uma das coisas mais divertidas para se fazer, alguns filmes assisti recentemente (ontem!) outros tenho que resgatar da memória, não com muito esforço pois todos seus filmes são para mim memoráveis. Aí vai a segunda parte.
- Quando Fala o Coração (Spellbound,1945) Para quem espera alta carga de tensão devido ao título de mestre de suspense que acompanha Hitchcock, o filme pode desapontar. Com roteiro do intelectual Ben Hecht, o argumento adaptado de um livro de Francis Beeding tornou-se anacrônico em seus meandros "freudianos". É verdade que alguns se justificam, já que a personagem central é uma psicanalista (Ingrid Bergman). Dedicada a profissão, ela se apaixona por um sujeito (Gregory Peck) que se apresenta como novo diretor da intituição onde trabalha, mas depois se revela dono de problemas mentais e suspeito de assassinato. Mas o filme é envolvente, o tema do falso culpado, tão frequente em Hitchcock, permitiu uma criação então inovadora nas suas soluções formais (os movimentos de câmera, o uso dos desenhos de Salvador Dali) e na atmosfera tensa. Esse clima torna-se vibrante no desenrolar do romance central, realçado pela atuação da luminosa Bergman no primeiro dos três filmes que fez sob as ordens do brilhante diretor inglês. ☺☺☺
- Interlúdio (Notorious, 1946) O filme tem como cenário de boa parte de sua história o Brasil. Claro que Cary Grant e Ingrid Bergman nunca estiveram aqui, e o país que se vê é apenas back-projection. O que vale mesmo é a história passada logo depois da Segunda Guerra, que envolve um agente do serviço secreto (Grant), um espião nazista (Claude Rains) e Bergman. O clímax da sequência na escadaria da mansão onde mora o vilão é um dos melhores momentos de suspende do cinema. ☺☺☺☺
- Festim Diabólico (Hope, 1948) O primeiro filme colorido de Hitchcock utiliza-se apenas de um cenário: o apartamento onde foi cometido um assassinato. A história é uma vertigem de perversidade. Dois jovens, ligados por um caso homossexual (John Dall e Farley Granger), estrangulam um companheiro e convidam sua família, noiva e amigos em comum para jantar, até o professor deles (o insuperável James Stewart) desconfiar que algo esta errado. A ação se desenrola num pequeno período de tempo, o entardecer. E esse desenvolvimento se dá com a elegância de uma poesia de cenas longas, ambientação teatral e as ousadas tomadas longas, com cortes disfarçados, como se o filme todo se desenrolasse em um único plano-sequência. Uma aula de cinema. ☺☺☺☺☺
- Sob o Signo de Capricôrnio (Under Capricorn, 1949) Em 1831, homem (Michael Wilding) sai da Irlanda e vai viver na Austrália, onde um primo se tornou um poderoso político. Lá ele conhece um rico proprietário de terras (Joseph Cotten) e sua esposa (Ingrid Bergman), que o homem já conhecia desde a infância na Irlanda. Suspense praticamente não há, Hitchcock desenvolve habilmente a psicologia perturbada de seus personagens (em especial de Bergman), muitos consideram esse um de seus filmes mais belos, mas o fato é que não me agradou muito, talvez na época que vi não tivesse disposta para o tipo de conflito aqui exposto, um revisão em breve pretendo fazer. ☺☺
- Pavor nos Bastidores (Stage Fright 1950) Jane (Jane Wyman) resolve ajudar o amigo Jonathan (Richard Todd), acusado de matar o marido da amante, a atriz Charlotte (MarleneDietrich) . Para isso, ela se infiltra na vida da atriz como governanta, tentando provar que Charlotte é a verdadeira responsável pelo crime. Filme considerado menor na filmografia do diretor, o que nem por isso o desmerece já que há uma reviravolta no final do filme genial, que muito desagradou a crítica da época e também a Hitchcock, afinal de contas um falso flashback não era coisa que se fazia na época e todos consideraram isso um erro, o tempo, porém veio comprovar o quanto a frente dos outros diretores estava Hitch. ☺☺☺
- A Tortura do Silêncio (I Confess, 1943) O Padre Logan (Montgomerry Cliff) ouve a confissão de um homem que cometeu um assassinato. Quando todas as evidências apontam Logan como o assassino, o padre se debate em uma crise moral e vê seu passado não muito religioso vir a tona. Mestre em esmiuçar conflitos de consciência, a auto-tortura do padre é quase insuportável, realçada ainda mais pela atuação angustiada de Cliff (Hitchcock odiou trabalhar com o ator). ☺☺☺
- Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) Chego finalmente ao meu filme predileto de Hitchcock. O filme é uma bela e bem realizada homenagem que o diretor presta ao cinema e a si mesmo, baseada em um conto do escritor policial Cornell Woolrich. Um fotográfo (James Stewart), preso a uma poltrona por uma perna quebrada, se diverte vendo as vária cenas da vida de seus vizinhos, e um deles comete um crime. Clímax perfeito de suspense soberbamente equilibrado com um humor malicioso e que ainda encontra tempo para analisar a relação homem-mulher através dos personagens de Stewart e Grace Kelly. ☺☺☺☺☺
- Disque M para Matar (Dial M for Murder, 1954) Ex-jogador de tênis (Ray Milland) quer ficar com a fortuna da esposa (Grace Kelly), e chantageia um aventureiro (Anthony Dawson) para que este a mate segundo um plano perfeito. O filme é a quintessência do suspense hitchcockiano, com sua perversa manipulação do tempo, do olhar e da expectativa do público. Nos dois terços seguintes do filme, o desenvolvimento é de enigma policial cerebral à moda inglesa. Hitchcock "limita-se" então a mostrar toda a sua habilidade em dirigir poucos personagens num único recinto sem jamais entediar o espectador. ☺☺☺☺

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