Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971)
O primeiro não western de Sam Peckinpah estava fadado a tornar-se uma das obras mais polêmicas do cinema americano, por sua violência explícita, assumida e legitimada. E bem difícil de assimilar em um contexto moderno do que no velho oeste...Mesmo hoje, depois da vulgarização da porrada nas fábulas trogloditas, o filme é profundamente inquietante, menos pela explosão do ódio (quase que totalmente reservada para as sequências finais) do que pela crueldade e pela mesquinharia que vão engendrando.
Dustin Hoffman (magnífico na composição e transformação de seu tipo) é o professor de matemática, um pacato acadêmico americano que procura refúgio na cidade de origem de sua jovem esposa, na Escócia, para preparar sua tese. Grave engano. Os rapazes da aldeia, enciumados daquele banana com quem a bela Susan George voltou casada, têm ainda que trabalhar sob suas ordens, na reforma de sua casa isolada. A mulher, entediada e afetada em seu novo status, mexe com os provincianos de maneira pouco aconselhavel. O professor vai sustentando o clima como pode, contra uma escalada de provocações, que vai descambando para a violência. Sexual, inclusive.
Uma questão local, a família que quer justiçar o débil mental que assassinou, inadivertidamente sua caçula namoradeira, vai precipitar a fúria do matemático em defesa de seu "castelo", no qual por acaso o débil se alojou. A partir daí, em pleno domínio do dialeto da violência, Peckinpah desenrola, expõe, saboreia plano a plano, ora na câmera lenta ora em cortes rápidos, uma verdadeira chacina. Um dos filmes mais angustiantes de todos os tempos e mais sedutor representante da corrente da justiça-pelas-próprias-mãos. Uma experiência lacinante.
☺☺☺☺O Último Tango em Paris (Le Denier Tando à Paris, 1972)
Na época do lançamento do filme não se falava em outra coisa: um apartamento decrépito em Paris, os encontros clandestinos entre Marlon Brando e Maria Schneider, aquela barra de mateiga... Dirigido por Bernardo Bertolucci, O Último Tango ganhou imediatamente o status de uma obra-prima , tão escandalosa quanto inovadora. Ao vê-lo, a crítica americana Pauline Kael escreveu que Brando e Bertolucci haviam mudado "a face de uma forma de arte". No filme Brando faz um desses personagens clássicos da ficção de cunho existencialista, um americano desgarrado, em todos os sentidos , na França. Sua mulher acabou de se matar. Como reação, ele envolve uma jovem desconhecida numa relação de sexo mutuamente destrutivo. Ela entra no jogo para, presume-se, fugir à sua vida burguesa.
Dito assim, parece que a essência do filme continua intacta, dor, perplexidade e frustração, afinal, são matéria-prima sem prazo de validade. Acredito que quem viu na época tenha na memória uma lembrança de impacto e descoberta. É chocante , portanto, constatar como Último Tango envelheceu, e mal. O naturalismo forjado das interpretações, em especial a da fraquíssima Maria Schneider (é inacreditável que ela tenha ainda trabalhado com outro diretor de renome como Antonioni, sendo tão má atriz e nem sendo lá muito bonita), os diálogos que soam como arengas e a "crítica" primária ao segmento da nouvelle vague liderado por François Truffaut (na figura dio cineasta estúpido vivido por Jean-Pierre Léaud, que foi alter-ego do diretor francês em vários de seus filmes) tiram do filme muito de sua aura. Como Bertolucci é um grande cineasta, ele alcança um ou outro momento de beleza. Mas eles são minoria. Também Brando tem ao menos uma cena antológica, a do monólogo junto ao caixão de sua mulher. De resto, ele se sai com uma atuação quase monocromática. Resumindo: ver o Último Tango hoje é uma completa decepção para cinéfilos atuais, mas que faz até pensar e considerar os rumos do cinema desde então: a das promessas que pareciam libertadoras e definitivas, mas não chegaram a se cumprir.
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